A multidão aglomerada para ver o corpo de Chico Anysio parecia não existir para Malga di Paula. A sexta mulher do humorista, 39 anos mais jovem do que ele, não levanta da cadeira, onde está sentada ao lado do caixão. O olhar distante de Malga às vezes é surpreendido por fãs que passam perto e fazem sinais com as mãos para ela. Em alguns momentos, quando ela enxerga o aceno, retribui discretamente. Na maior parte do tempo, sua visão é ocupada pela última imagem do marido, com quem ficou durante 13 anos. Se a morte do humorista comove o Brasil, Malga é o retrato desse vazio.
Outras poucas cadeiras foram colocadas na entrada do Teatro Municipal, onde o corpo é velado para repouso de familiares e amigos. O funeral ocorre em silêncio. Atrás do caixão está um grande crucifixo acompanhado por coroas de flores. Chico foi vestido com um terno cinza. Sobre suas pernas, a bandeira de seu time de futebol, o Vasco da Gama. A despedida formou uma fila de dobrar o quarteirão. Às 13h30, quando liberaram a entrada dos populares, a Avenida Rio Branco, ao lado do Teatro, foi tomada.
Grupos de dez pessoas por vez podem ter acesso ao velório. Faixas, dentro do teatro, demarcam o circuito a ser feito pelos fãs. Cada um fica cerca de trinta segundos nesse curto trajeto e logo deixa o local. Ninguém pode tocar ou fotografar Chico. Aproximadamente quarenta seguranças do teatro e da Rede Globo organizam a fila. Alguns trabalham à paisana.
O tempo dentro da sala de velório é curto para quem quer se despedir de Chico. A empregada doméstica Mirlene da Silva, de 45 anos, leva um cartaz nas mãos com duas fotos de Chico recortadas do jornal, com a frase: “Vai com Deus, mestre”. Quando se aproximava a sua vez de entrar no velório, Mirlene foi às lágrimas. O segurança pediu que ela enrolasse o cartaz. Outras fotos do humorista, no entanto, estavam estampadas em seus brincos e colar
Dentro do teatro, ela acenou para Malga. A viúva, com olhos avermelhados, parecia não ver. Mirlene insistiu e conseguiu que Malga, sentada, levantasse a mão em um cumprimento. Para quem é fã de Chico como Mirlene, trinta segundos é nada. E lá foi ela para a fila de novo. “Dessa vez, vou mostrar o cartaz para Malga. Não me contentei em ver só uma vez. Ele merece ser visto 10.000 vezes”, diz.
Há poucos jovens na fila. Os seguranças têm de ajudar alguns fãs a subir os dezesseis degraus do Municipal. Maria de Lúcio, de 92 anos, foi homenagear Chico. “Pena que não dá para dar um beijinho nele”, reclamou. Ao encontrar Mirlene com o cartaz do lado de fora, Maria, que não a conhecia, beijou as imagens do cartaz.
Pelo outro lado do teatro, entram os amigos de Chico. Pessoas se aglomeram ali para ver os famosos que entram e saem o tempo todo. Edvirges Isabel da Silva, de 55 anos, juntou-se à multidão, mas, para ela, o clima não era de tietagem. “Homem como Chico Anysio não há. Se as palavras chegassem até ele, embora tivesse muita coisa para falar, eu diria: Valeu.”
Na escadaria, repousam incontáveis coroas de flores. A presidente Dilma Rousseff; o ex-presidente Lula e sua mulher, Marisa Letícia; o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral; Boni; Silvio Santos; Pelé e tantos outros enviaram arranjos. As coroas chegavam aos montes.
Depois da manhã de sol, o céu ficou nublado com o avançar da tarde. O tempo passava, mas quem queria ir embora com a sensação de não poder mais ver Chico? Às 15 horas, Mirlene já tinha entrado quatro vezes na fila. “E estou indo de novo”, disse. Para ela, ainda é muito cedo para deixar o local. O velório irá até as 22 horas, quando Mirlene e todos os outros fãs terão de se acostumar a ter Chico Anysio apenas na lembrança
(Revista Veja)
Chico Anysio foi o maior humorista de todos os tempos.
ResponderExcluir